sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Cadáver de Mariposa

Sentindo a pressão dos assuntos prementes, balançava-me nesse comum pêndulo matinal, o mesmo que, em última análise, comanda toda a vida. A minha, pelo menos. Poderia jurar que a ondulação do rio marcava os segundos, em contagem decrescente; de resto, o tic-tac desbiológico compassava-se nos passos perdidos da multidão solitária que caminhava, cabisbaixa e acelerada, na direcção de um vazio, que tomava a forma de um comboio que partira há dois segundos.

O mundo é incapaz de esperar dois segundos que sejam.

Tentava despreocupadamente procurar essa sensação nas caras conformadas de escassos sorrisos, escassos justamente por isso. Afinal, a vaca que ri não passava de um mito? Vaca, sim, porque todo o sistema se organizava de acordo com o apito, o alarme, a buzina, o sinal de fecho de portas, o arranque do motor, os sons inaturais da pecuária urbana cujo ritmo esquizofrenético garantia o fluxo constante entre as possibilidades de pastos verdejantes e os não-pastos efectivos, num embalo alienígena e alienizante.

A força do hábito não imbuía nada disto com qualquer carga dramática que fosse. Ainda assim, porque viver é preciso, tentei concretizar: quis, estupidamente, pôr-me a par do meu biorritmo mecânico, ser pessoa, tornar-me humano, pertencer molécula-solitária àquela massa agregada por inconveniência. Olhei para o relógio do telemóvel. Só tive tempo de o ver desfazer-se nas minhas mãos.

Incrédulo, sorri; teria morto o tempo, ou a tecnologia?